A passagem à reforma constitui um dos mais relevantes acontecimentos do ciclo vital, habitualmente situado no período final da adultez média (meia-idade), e que é acompanhada por uma diversidade de fenómenos na medida em que indivíduos e famílias são frequentemente expostos a acontecimentos de índole transicional que podem comprometer o processo de desenvolvimento.
Desta forma, é de vital importância refletir sobre a vivência de um envelhecimento ativo, abordando os efeitos biopsicossociais da experiência da passagem à reforma naqueles que protagonizam esta transição, na tentativa de através de evidências empíricas, apresentar diretivas de promoção da saúde.
A idade, não constituindo por si só uma condição de envelhecimento, é um indicador de que se está a viver uma fase mais avançada do ciclo vital e que resulta da interação contínua e dinâmica entre vários fatores. Neste sentido, além da idade cronológica, também há que ter em atenção as idades biológica, psicológica, social e ecológica, bem como o contexto em que ocorre o envelhecimento. Esta premissa deve-nos orientar para um olhar mais incisivo nos fatores pessoais e sociais, fatores relacionados com a saúde e os serviços sociais, fatores do ambiente físico, fatores económicos e fatores comportamentais que determinam o envelhecimento ativo.
A passagem à reforma pode ser percebida como um evento, acontecimento de vida a partir do qual as vivências se manifestam de forma diferente, como um novo estatuto social ou, também, como um processo, um acontecimento de vida que se reflete em termos desenvolvimentais e implica a ocorrência de fenómenos transição-adaptação. Este processo desenvolve uma perceção ambivalente, com sentimentos positivos e negativos, que é acompanhada de um grau diferenciado de stresse em função da causa e da motivação que estiveram na base da sua ocorrência, uma vez que envolve perdas e ganhos.
Nesta fase de adaptação das pessoas a este novo período da sua vida importa salientar que a perceção e os comportamentos necessários a essa adaptação não ocorrem apenas naqueles que a protagonizam. A realidade da reforma, de uma forma sistémica, também afeta todos os que acompanham o novel reformado e compõem o seu microssistema de referência, a sua família. Nesta mudança ocorrem alterações de identidade, papéis, relações, habilidades e padrões de comportamento, que requerem novas aprendizagens e ajustamentos concretizados na forma como os intervenientes passam a estar, sentir e ser em família e em sociedade. Tratando-se de um evento temporalmente previsível esta transição pode e deve ser planeada de forma a minimizar os constrangimentos que dela possam advir, através da capacitação individual e familiar e da preservação da saúde física, emocional e social dos protagonistas.
Na passagem à reforma é importante refletir os ambientes socioculturais, as modalidades relacionais e a história de vida que constituíram o contexto no qual a pessoa se foi desenvolvendo e que interfere na forma como se adapta a esta transição. Não menos importante, são as estratégias de coping (capacidade de enfrentar as situações complexas e/ou difíceis) que cada pessoa possui e consegue mobilizar, os seus objetivos de vida e, de uma forma preponderante, as modalidades de cuidado que lhe são disponibilizados.
É pois, importante, definir estratégias a nível individual, no sentido de orientar para a continuidade e/ou reformulação dos objetivos de vida, promover a autoestima, fomentar o autocuidado, promover o sentido de satisfação de vida. Do mesmo modo, importa desenvolver estratégias dirigidas para a família, a promoção da resiliência familiar, coadjuvar na forma de lidar com as perdas e reforçar os ganhos, identificar e encaminhar casos de risco transicional, promover o desenvolvimento de uma interdependência saudável, promover o desempenho de novos papéis e funções familiares.
Ao longo deste período de transição há que ter em mente que uma passagem à reforma bem-sucedida requer a promoção de um envelhecimento ativo e o acompanhamento familiar durante mais esta fase de desenvolvimento pessoal e social.
Paula César
Psicóloga Clínica e da Saúde