Burnout em tempos de Pandemia

Nunca se falou tanto em burnout como agora. Mas para perceber este fenómeno, é incontornável refletir sobre o impacto que a pandemia teve na economia nacional e na saúde pública, para além de ter sido um acontecimento à escala mundial, sem precedentes.

Em Portugal, desde que foi diagnosticado o primeiro caso de COVID-19, em março de 2020, o país enfrentou uma situação de calamidade e, paralelamente, assistiu a um estado de emergência, decretado pelo Presidente da República, que foi renovado em consequência do surgimento de novas vagas de contágio, o que levou à restrição ou suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias, culminando em dois confinamentos que contribuíram para a estagnação gradual da economia, na medida em que, resultaram na proibição da circulação entre concelhos, na obrigatoriedade do teletrabalho e da telescola, no dever de recolhimento domiciliário e no encerramento de sectores vitais como o comércio (com exceção dos estabelecimentos de bens e serviços essenciais), a cultura e o turismo. As implicações diretas foram o agravamento da qualidade de vida de milhares de pessoas. Em traços gerais, o “lockdown” da COVID-19 fez disparar os níveis de ansiedade, depressão, stress e burnout bem como o desespero, angústia e insegurança nas pessoas comprometendo a sua saúde mental.

Mas nem tudo foi mau…

A pandemia pôs à prova a resiliência das pessoas que, ao adaptarem-se ou resistirem à pressão de situações adversas, apresentaram maiores níveis de realização pessoal e de relação com os outros no trabalho, evidenciando, deste modo, menores níveis de exaustão, negatividade, hostilidade e ineficácia. Por exemplo:  

  • A comunidade uniu-se, organizou-se e numa relação de proximidade dinamizaram várias iniciativas de cariz social. Por exemplo, foram criadas as caixas solidárias (com géneros alimentícios), foram feitas máscaras sociais personalizadas, multiplicaram-se os apoios na confeção de refeições quentes servidas às famílias com pouco recursos;  
  • As pessoas tornaram-se mais solidárias e conscienciosas da causa humana;
  • Foram criadas novas ideias de negócio devido ao aumento de vendas pela internet;
  • Algumas famílias criaram novas rotinas, fortaleceram laços, partilharam novas experiências e desfrutaram de tempo de qualidade;
  • Algumas famílias acompanharam mais ativamente os filhos nas tarefas escolares;
  • O tempo despendido às redes sociais para comunicar com familiares e amigos aumentou.

O burnout ou síndrome de esgotamento profissional teve, recentemente, mais visibilidade e atenção pelo fato de ter sido introduzido na Classificação Internacional das Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde, embora tivesse sido descrito pela primeira vez, em 1974, pelo psicólogo Herbert Freudenberger, no âmbito das profissões ligadas à prestação de cuidados de saúde.

A pandemia da COVID-19 aumentou a incidência do nível de burnout em profissionais, cujo trabalho envolve o contacto com várias pessoas, nomeadamente os sectores da saúde, ensino, cuidadores, forças de segurança e bombeiros. Este problema de saúde psicológica define-se como um estado de exaustão emocional (esgotamento emocional provocado pelas exigências do trabalho), despersonalização (grau de indiferença e apatia) e falta de realização pessoal (fracasso nas suas expectativas e ações), o que poderá contribuir para o desenvolvimento de uma série de sintomas físicos como tensão muscular, dores de cabeça, dor no peito, fadiga, perturbações de sono, perda ou mudança do apetite, diminuição do desejo sexual, náuseas e constipações mais frequentes. Os sintomas psicológicos mais comuns, são:  

  • Cansaço físico e mental – A pessoa pode apresentar um cansaço constante e excessivo, difícil de recuperar;
  • Falta de energia – A pessoa pode ter dificuldade em manter hábitos de vida saudáveis;
  • Sentimento de ineficácia – A pessoa pode sentir que não alcançou o resultado para o qual se empenhou, esgotando os recursos disponíveis; 
  • Falta de concentração, de atenção ou memória – A pessoa pode ter dificuldade em concentrar-se em tarefas simples, diárias, em casa e no trabalho ou até em manter uma simples conversa;
  • Mudança significativa do humor ou do comportamento – A pessoa pode ter alterações repentinas de humor e revelar irritabilidade;
  • Diminuição da autoestima e da autoconfiança – A pessoa pode sentir falta de confiança em si própria, ter dificuldade de aceitar as próprias limitações e ter medo da rejeição;
  • Falta de motivação ou desinteresse aparente em atividades habituais – A pessoa pode deixar de gostar de fazer atividades que, anteriormente, eram prazerosas como por exemplo, praticar um desporto;
  • Isolamento ou dificuldade no contacto social – devido a todos estes sintomas a pessoa tem tendência a isolar-se das pessoas mais importantes da sua vida como os familiares e os amigos. 

O Risco de burnout em crianças

As crianças podem correr o risco de burnout quando os níveis de exigência são elevados e a sua resposta não corresponde às expectativas. Neste contexto, pode começar a desenhar-se um estado de esgotamento físico e mental que se manifesta através de cansaço extremo, insónias e desmotivação. Por outro lado, as crianças com dificuldades de aprendizagem e de atenção exigem um maior acompanhamento porque estão, particularmente, vulneráveis devido aos níveis elevados de stress ou frustração durante um longo período de tempo, devido a:

Fatores pessoais – As crianças despendem maior esforço para atingir níveis de concentração necessários durante o processo de aprendizagem; por vezes, depois de várias horas consecutivas de estudo sentem-se exaustas;

Fatores emocionais – As crianças evidenciam sinais de frustração por demorarem mais tempo a executar a tarefa, perda de autoestima e elevados níveis de stress devido às dificuldades que sentem, medo de fracassar e desmotivação por não obterem bons resultados;

Fatores sociais – As crianças podem sentir-se solitárias e procurar, ainda mais, esse isolamento evitando socializar com o grupo de pares; podem manter boas relações de grande cumplicidade com os pais, mas ao mesmo tempo, sentirem-se pressionadas com o receio de os dececionar, por exemplo, com eventual mau desempenho escolar; os professores e a família podem exagerar com a quantidade de listas de tarefas que obrigam as crianças a cumprir.

Estratégias para prevenir o burnout  em crianças:

  • Fazer pausas para descanso que são fundamentais não só para a aprendizagem, como também, para uma boa saúde física e psicológica;
  • Ter tempos livres (para ler, brincar, pintar, desenhar, jogar à bola, fazer jogos de tabuleiro);
  • Respeitar os períodos de sono (o horário de deitar e levantar deve ser o mesmo todos os dias, não deve variar mais do que uma hora ao fim de semana ou férias);
  • Fazer um “detox tecnológico”, relacionado com a visualização de vídeos, jogos online, TV e redes sociais;
  • Manter uma alimentação saudável e equilibrada;
  • Praticar desporto com regularidade.

Sempre que surgirem os primeiros sinais de burnout é importante adoptar estratégias que ajudam a reduzir o stress, como:

  • Desenvolver atividades que sejam prazerosas e promovam a recuperação e o aumento do bem-estar, por exemplo cuidar da saúde mental;
  • Participar em atividades de lazer com a família;  
  • Manter uma alimentação saudável com ingestão de fruta, legumes e hidratos de carbono;
  • Ter atenção aos hábitos de higiene do sono;
  • Ter uma atividade física regular como caminhada, corrida ou pilates;
  • Após o desconfinamento, fazer atividades fora da rotina diária como passear, ir ao restaurante, ir ao cinema ou sair com os amigos;
  • Fazer um “detox tecnológico” após longas horas despendidas em frente aos ecrãs;
  • Ser realista, ninguém precisa de fazer tudo “perfeito” sempre;
  • Procurar o equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar, ao definir pequenos objetivos, como por exemplo: reorganizar o trabalho de modo a diminuir as horas despendidas a cada tarefa, ter poucas tarefas repetitivas, redefinir papéis e funções de trabalho e dar prioridade a tarefas mais importantes;
  • Evitar levar trabalho para casa, estabelecer prazos realistas e cumpri-los;
  • Em contexto de trabalho presencial, renegociar um horário de trabalho mais flexível e ajustado;
  • Conversar com alguém com quem possa confiar sobre determinado motivo de preocupação ou stress;
  • Desenvolver boas relações com os pares criando uma rede de apoio;
  • Tornar o espaço físico de trabalho o mais confortável possível e adequado às necessidades da pessoa, por exemplo ao nível do ruído, equipamento e iluminação;
  • Descansar, sempre que possível, com qualidade.

O impacto económico da síndrome de esgotamento profissional poderá representar um problema social urgente no futuro. De modo, a salvaguardar a qualidade de vida e o bem-estar do indivíduo que, são influenciados pelo trabalho, saúde, ambiente, família e os amigos, lazer e espiritualidade, deve-se aumentar a consciência sobre os problemas de saúde psicológica.

Muitas vezes, a pessoa apresenta um estado de exaustão extrema causado por situações adversas, como tensão e stress, não conseguindo identificar todos os sintomas. Neste sentido, é aconselhável procurar ajuda especializada, para que o diagnóstico e tratamento sejam feitos e conduzidos de forma correta, tendo em conta as características individuais de cada pessoa.

Magda Lopes

Psicóloga Educacional

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