Se recuarmos até à nossa infância, tenho a certeza de que nos vamos lembrar desta pergunta. Tal questão esteve, está e estará sempre presente, como se estivesse inscrito no nosso ADN, querer saber o que as nossas crianças querem ser quando crescerem, como se fosse um atestado de identidade imutável da criança.
As crianças, numa fase inicial do desenvolvimento, face a questões deste género, tendem a escolher profissões associadas ao género, estatuto e prestígio e, só mais tarde, interferem os fatores psicológicos, direcionados para o self. O autoconceito das crianças é também extremamente importante, sendo constituído por vários elementos como o género, o estatuto socioeconómico, a inteligência, os interesses profissionais, as competências e os valores. Particularmente relevantes para a tomada de decisão vocacional, estes elementos vão sendo incorporados no autoconceito, em diferentes etapas do desenvolvimento cognitivo da criança.
Neste sentido é importante referir que segundo Gottfredson existem quatro etapas no desenvolvimento do autoconceito que passamos a enumerar:
- Orientação para o tamanho e poder (dos 3 aos 5 anos).
O pensamento das crianças de três anos caracteriza-se por ser egocêntrico, mágico, caprichoso, com pouca capacidade de distinguir o passado, presente e futuro. Os desejos ou aspirações das crianças desta faixa etária põem em evidência o pensamento mágico que as caracteriza, desejando ser por exemplos princesas ou príncipes. Aos quatro e cinco anos as crianças já referem atividades relacionadas com tarefas dos adultos, por exemplo, ser médico, trabalhar nos computadores, etc.
O pensamento concreto que caracteriza esta faixa etária faz com que o tamanho seja utilizado para definir poder.
2. Orientação para os papéis sexuais (6-8 anos de idade)
Nesta etapa, as preferências profissionais refletem a preocupação que as crianças sentem em fazer aquilo que é apropriado para o seu próprio género. Rapazes e raparigas tendem a mostrar concordância sobre quais os empregos que cada sexo deve ter. As escolhas mais populares entre as raparigas tendem a ser as menos populares entre os rapazes e vice-versa. As profissões mais e menos preferidas revelam que as crianças circunscreveram as suas opções de acordo com o seu tipo sexual. Assim, as profissões que são percecionadas como inapropriadas para cada sexo tendem a ser fortemente rejeitadas. No final do ensino secundário, as preferências continuam ainda a ser muito estereotipadas.
3. Orientação para a avaliação social (9-13 anos de idade)
Nesta etapa de desenvolvimento, as crianças começam a tomar consciência que existem profissões que são mais valorizadas do que outras. Para além do reconhecimento do prestígio de certas profissões, começam também a ter a noção da existência de diferentes classes sociais e de diferentes tipos de capacidades entre as pessoas. No início desta etapa, as aspirações profissionais expressas pelas crianças revelam que o nível de prestígio é ainda um fator pouco relevante. Por exemplo, os rapazes continuam a mostrar interesse pela profissão de motorista, atleta ou polícia e as raparigas pela profissão de enfermeira ou professora. Com o avançar da idade, as crianças começam a conhecer novas profissões e a saber julgá-las de acordo com o seu nível de prestígio. Os empregos de baixo prestígio não voltam a ser expressos.
4. Orientação para o interno, Self único (14 ou + anos de idade)
O aumento da capacidade para lidar com conceitos complexos e abstratos, a pressão emocional da adolescência e o desenvolvimento de uma visão mais complexa e integrada de si próprio e da realidade, faz com que as preocupações comecem a estar centradas nos sentimentos pessoais, interesses e valores dos adolescentes. Nesta fase do desenvolvimento vocacional, as preferências profissionais refletem a compatibilidade com as capacidades e interesses particulares.
Face ao exposto, é fundamental o papel da família, mas também da escola no desenvolvimento vocacional das crianças, dado que, nos dias de hoje, este é o espaço no qual as crianças passam a maior parte do seu tempo.
Na escola, elas têm a oportunidade para (re)descobrir quem são, o que gostam e com o que se identificam. A escola deveria oferecer às crianças e jovens a oportunidade de ir experimentando diversos papeis promovendo em simultâneo um autoconhecimento realista de si, das suas fraquezas e potencialidades, que lhes será útil quer enquanto estudantes, quer enquanto futuros trabalhadores que estarão inseridos num mundo laboral possivelmente exigente e nem sempre justo.
É importante reforçar a importância do desenvolvimento vocacional desde cedo, mas que o objetivo na não é, nunca, avaliar os interesses das crianças. É sim importante que a escola possibilite às crianças irem experimentando diversos papéis sem juízos nem preconceitos.
Segundo Gottfredson (1996, 2002), “as crianças recriam as condições de desigualdade social do seu próprio meio, ainda antes de poderem experimentar as dificuldades e obstáculos realmente impostos”, sendo fundamental auxiliar o desenvolvimento vocacional em crianças que sejam oriundas de meios sociais desfavorecidos. Quanto mais precoce for a intervenção, mais sucesso terá a mesma.
A Escola atuar de inúmeras formas, entre as quais:
- Promover sentimentos/crenças de autoeficácia – é importante a criança confiar em si, nas suas capacidades e liberdade de escolha;
- Desenvolver condições que promovam o autoconceito vocacional;
- Dinamizar atividades promotoras de exploração de diversos percursos, oportunidades e interesses.
Na sala de aula, (inclusive em casa, uma vez que os pais podem adaptar estas ideias) os educadores e professores podem:
- Dar a conhecer às crianças várias profissões perguntando-lhes o que é que elas conhecem dessa profissão, se conhecem alguém que tenha determinada profissão, etc.;
- O que é que elas mais gostam de fazer;
- Quem é que elas mais admiram e porquê;
- Perceber quais as crenças associadas a uma determinada profissão perguntando-lhes, por exemplo, quem é que costuma desempenhar as funções inerentes à mesma;
- Perguntar à criança, quais os diferentes papeis em casa- quem é que faz o quê;
- Ter ao dispor na sala diferentes brinquedos permitindo que cada criança explore o que quiser; não há restrições em um rapaz brincar às casinhas e uma menina com carrinhos;
- Convidar os pais a ir à escola falar sobre o seu trabalho;
- Convidar à escolar diversos profissionais com sucesso, por exemplo: mulher bombeira, homem chef;
- Promover visitas de estudo a diferentes locais de trabalho;
- Não limitar as crianças a tarefas “típicas” de rapaz /rapariga;
- Alertar os pais para a importância dos papeis em casa, dado que estes são modelos importantes nas crianças, por exemplo: só a mãe cozinha, limpa a casa, a criança acaba por associar estas tarefas ao sexo feminino.
Acima de tudo há que permitir às crianças, como foi referido, explorarem diversos papeis não impondo ou orientando para atividades típicas de cada género. Pais, professores e educadores, devem ser sensíveis aos interesses de cada criança, que é única, respeitando sempre as suas decisões.
Os primeiros anos são um período crucial para a formação de ideias e para as perceções sobre o self e sobre o mundo. As experiências de exploração ajudam as crianças a conhecerem-se a si próprias, a tomarem consciência das suas capacidades e das suas aptidões em relação ao mundo do trabalho, pelo que se reforça a importância da escola e família nesta fase.
Joana Tenório
Psicóloga Educacional