Neurótico(a)? Eu?

Venho falar-vos de um “bicho papão”. Que toma proporções grandes, mesmo sem ser alimentado em demasia. Que não pede licença para entrar, e muitas vezes não se dá pela sua presença até ter causado estragos. É incomodativo e tem voz própria. O Neuroticismo é um traço de personalidade que, quando vincado, nos torna temperamentais (por vezes em demasia) e dá as boas-vindas, sem pudor, à preocupação, ao medo, à frustração, à culpa, à raiva e ao humor depressivo, todos estes de mão dada com a velha e chata ansiedade. Diversos autores dizem que, pessoas neuróticas têm tendência para interpretar situações ditas “normais” como ameaçadoras, e tendem a encarar pequenas frustrações como dificuldades extremas. Certo é, que vivemos, enquanto sociedade, um momento pandémico que transborda espaço para a exacerbação de uma estrutura mental e de traço de personalidade com características específicas neuróticas.

Mas teremos todos sido assolados por uma vaga de neuroticismo? Ter-nos-emos, todos, tornado neuróticos?

Julgo que a resposta seja… não! Tal como a pessoa que está triste pode não ter depressão, a pessoa que fala com uma “voz” na sua cabeça não é esquizofrénica, nós, os que estamos preocupados, que sentimos medo do que aí vem, que nos sentimos ansiosos e frustrados, não somos neuróticos.

Mas porque tudo é normal, até deixar de ser, há que estar atento. E com esta chamada de atenção não sugiro que fiquemos obcecados com estes sentimentos de que vos falo no início, apenas sugiro que estejamos atentos. Que saibamos ouvir-nos e interpretar os nossos pensamentos, sentimentos e sensações. Para isto, é preciso que se conheça a diferença entre o “normal” e o patológico.

A teoria psicanalítica evoca a ideia de que as neuroses são pensamentos e comportamentos que provocam dificuldades ao nível do funcionamento de vida de uma pessoa. Estas estarão enraizadas nos mecanismos de defesa do ego, mas são uma forma natural de desenvolvimento e manutenção de consistência na própria pessoa. A pessoa neurótica experiencia um certo conflito inconsciente e sofrimento emocional, tendo a ansiedade como sintoma definitivo, propagado na forma de doença física e/ou mental.

Assim, as neuroses nem sempre são estruturas patológicas, podendo ser aliviadas com a consciência de que, apesar de tudo, vivemos certamente um momento de facilitação das mesmas e que não é problemático que sejamos, por vezes, visitados por pensamentos e sentimentos menos positivos. Havendo esta consciência, será certamente mais fácil transformá-los em mecanismos de defesa com resultado positivo para o bem-estar psicológico.

Carl Jung referiu ter frequentemente visto os seus pacientes tornarem-se pessoas neuróticas, ao contentar-se com respostas inadequadas a questões da vida. Assim, e não sendo necessária enorme imposição, podemos dar a volta a esta questão, simplesmente ao não nos acomodarmos, desafiando a força da nossa mente e a subjetividade que pauta a estrutura psíquica.

A verdade é que, a determinada altura, todos precisámos, precisamos ou precisaremos de apoio psicológico. Nem sempre é fácil “desfazer nós”. Mas acredito que não haja nós permanentes.

É preciso observar-nos constantemente, estar atentos aos sinais e agir em conformidade. Ser consciente é o primeiro passo.

Afinal, nem todo o desconhecido é “bicho papão”, certo?

Filipa César
Psicóloga Clínica e da Saúde

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