Num mundo VUCA – volátil, incerto, complexo e ambíguo – o paradigma do trabalho tem-se alterado nas últimas décadas em consequência de profundas mudanças socioeconómicas provocadas pelo desenvolvimento das novas tecnologias, que tiveram repercussões significativas na natureza, organização e gestão do trabalho com efeitos na saúde mental e bem-estar humano.
Neste processo em constante mutação, a organização do trabalho representa um princípio orientador tanto na articulação que se estabelece entre os locais e os postos de trabalho como na gestão de processos e métodos de trabalho, funções e relações interpessoais com vista ao aumento da produtividade, melhoria da qualidade e das condições de trabalho.
Os riscos profissionais de natureza psicossocial (ou riscos psicossociais) emergentes deste novo paradigma podem definir-se como a probabilidade de ocorrência de um efeito adverso na saúde física, mental e/ou social do trabalhador e a sua gravidade, decorrente da exposição a fatores psicossociais no local de trabalho. Neste âmbito a Organização Internacional do Trabalho (1986), define os fatores de risco de natureza psicossocial (ou fatores psicossociais) como as interações que se produzem entre o ambiente de trabalho e as pessoas, quando as exigências laborais são bem definidas e proporcionam um grau razoável de autonomia. Estes, aliados às capacidades, necessidades básicas de segurança financeira e de sustentabilidade pessoal e familiar, assim como as condições de vida na interface casa-trabalho, podem influenciar decisivamente o rendimento no trabalho, o crescimento psicológico, a realização pessoal, a satisfação profissional e a saúde das pessoas.
Porém, se as condições de trabalho e a forma como este é organizado e executado não garantirem uma boa gestão dos riscos psicossociais no local de trabalho, podem surgir stressores como:
– Comunicação interna insuficiente;
– Ausência de definição de objetivos;
– Baixos níveis de apoio para a resolução de problemas e desenvolvimento pessoal;
– Ambiguidade de papéis;
– Subvalorização de competências;
– Insatisfação laboral e défice de progressão na carreira;
– Estagnação, remuneração insuficiente, instabilidade e/ou insegurança profissional;
– Conflito de papéis na definição de responsabilidades;
– Degradação das relações interpessoais;
– Ausência de autonomia no exercício da atividade e/ou inadaptação;
– Falta de oportunidade para aprender e/ou recursos insuficientes;
– Carga de trabalho superior à capacidade do colaborador ou, pelo contrário muito inferior;
– Elevado grau de automatização e repetição das tarefas;
– Existência de poucas pausas para descanso e de curta duração e/ou horários de trabalho inflexíveis;
– Dificuldade em conciliar a vida profissional e a vida privada.
Estes stressores são acontecimentos ou estímulos que induzem eustress (stress benéfico e curativo) ou distress (stress excessivo que causa sofrimento). O stress no trabalho, ou stress ocupacional, é o conjunto de reações fisiológicas, cognitivas, emocionais e comportamentais relacionadas com os aspetos adversos e nocivos do conteúdo, organização e ambiente de trabalho. Nesse sentido, o stress é tanto quanto maior for o desequilíbrio e a dificuldade de controlo na interação entre os indivíduos e o trabalho.
Paralelamente, o stress tem em comum agentes stressores de diferentes naturezas (física, psicológica, biológica, química, mecânica e sociológica), um conjunto de características pessoais (sexo, idade, classe social, motivação, expectativas, capacidade intelectual e personalidade), indicadores de stress (sintomas fisiológicos, psicológicos, somáticos e comportamentais) e consequências para a saúde dos trabalhadores (doenças oncológicas, distúrbios hormonais e psíquicos, queixas pulmonares, disfunções do sistema nervoso central, lesões músculo-esqueléticas, problemas gastrointestinais e sintomas cardiovasculares).
O mundo do trabalho até aos nossos dias esteve longe de ser estático. Da mesma forma, as exigências do ambiente de trabalho moderno e dos recursos mentais despendidos agravaram-se com a atual situação pandémica, o que pode ter contribuído para o aumento dos riscos psicossociais com impacto na saúde mental dos colaboradores e no bom funcionamento e produtividade das organizações.
Durante o período de confinamento, prevaleceu o sistema misto – o teletrabalho e o trabalho presencial, a invasão do espaço no lar e nos tempos livres e a dificuldade em manter o work-life balance. Esta questão trouxe efeitos de várias ordens, nomeadamente o stress, depressão, ansiedade, burnout, isolamento social, demasiado tempo despendido em frente aos ecrãs, alterações do sono, quer na quantidade de horas dormidas quer na qualidade, alterações digestivas em função destas não ocorrerem em horários coincidentes com os seus ritmos circadianos, alteração do ritmo biológico, que força o trabalhador a inverter o seu ciclo normal de atividades face ao descanso, entre outros.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como o estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade.
A saúde mental tem um impacto considerável no desempenho profissional e na produtividade, concorrência e competitividade das empresas à escala global. Neste âmbito, é importante constatar que existe uma elevada prevalência de perturbações mentais em contexto laboral, associadas a níveis de incapacidade superior à maioria das doenças físicas crónicas, nomeadamente a depressão e o burnout, despersonalização e perceção de ineficácia das aptidões profissionais. Apesar de comuns, os problemas de saúde psicológica passam muitas vezes despercebidos e são subestimados. Neste sentido, as pessoas que vivenciam um problema de saúde psicológica podem ser vistas pela maioria das pessoas como inaptas para lidar com as pressões e tarefas laborais, pouco confiáveis ou menos produtivas.
Porém, é imperativo desmistificar alguns mitos relacionados com os problemas de saúde psicológica no trabalho e substituí-los por factos, começando pelo facto de serem tratáveis, ou seja, as pessoas podem trabalhar, ser produtivas e bem-sucedidas em qualquer área de trabalho, apresentando as mesmas capacidades intelectuais, apesar de alguns sintomas e medicações associadas aos problemas de saúde psicológica poderem afetar a capacidade de concentração, memória e processamento da informação.
A doença mental, no contexto de trabalho, também está associada a um forte estigma e discriminação que podem ocorrer no processo de recrutamento, na seleção para formação, na negociação de condições e benefícios laborais, transferência, promoção ou despedimento.
O mobbing e a violência no local de trabalho são fatores de risco significativos para a saúde mental. O mobbing é a expressão utilizada para caracterizar comportamentos de bullying que se traduzem sob a forma de humilhação, boatos ou rumores, criticismo excessivo ou injusto e exclusão social. É certo que a violência no trabalho potencia comportamentos abusivos como o assédio moral, emocional ou psicológico que, pela sua frequência e intensidade, pode comprometer a dignidade, integridade física e psíquica da pessoa, degradando assim o ambiente de trabalho ou colocando em perigo a continuidade da mesma no trabalho.
O trabalho é, simultaneamente, a origem dos riscos psicossociais, mas também o local ideal para os enfrentar mediante adequadas intervenções. Exemplos disso são a realização de ações para prevenir as causas do stress ocupacional, intervir nos problemas de saúde ocupacional e promover a saúde psicológica no local de trabalho, a fim reduzir os custos, mas também traduzir-se num conjunto de benefícios (maior motivação, desempenho, produtividade, compromisso, satisfação e menos problemas de saúde) que contribuem para a construção de locais de trabalho emocionalmente seguros e saudáveis.
É urgente intervir para haver uma gestão preventiva eficiente, através de avaliação e controlo dos riscos psicossociais como atividade central da Psicologia da Saúde Ocupacional (PSO), que pretender ser uma interação integrada e integradora dos conhecimentos e das práticas da segurança no trabalho, da higiene no trabalho e da saúde no trabalho.
A prevenção da saúde mental e ação direta sobre a mesma é de extrema importância na vida pessoal, mas também na vida laboral das pessoas, sendo este um direito de todos!
Magda Lopes
Psicóloga Educacional